Guerra contra Charles Chaplin
Monsieur Verdoux teve várias cenas questionadas pelos censores. Quando o filme ficou pronto, foi exibido para os membros da Legião da Decência, bem como para os representantes da censura e de várais associações religiosas.Contudo, finalmente, foi aprovado.
Concebido como uma irônica acusação cômica da moderna sociedade capitalista, que tinha levado Henri Verdoux à sua carreira (financeiramente motivada) de assasino em série, o filme de Chaplin conseguiu ganhar a simpatia dos americanos cinéfilos com seu novo mártir herói-vilão cuja moralidade cínica, maneiras urbanas e refinadas vestimentas, pareciam a antítese do adorável Vagabundo que o mundo inteiro tinha visto como um cavalheiro em socorro das mulheres sofridas.
Considerado pela imprensa americana como um símbolo arrogante de riqueza elitista e de privilégio e mostrado como um monstro insensível em seus relacionamentos com as mulheres . em decorrência de seu julgamento no caso Joan barry, Chaplin não conseguiu reconquistar a imensa simpatia do público que ele havia anteriormente apreciado (e erroneamente assumido que seria para sempre).
Verdoux e uma de suas esposas
Verdoux declara que o diamante da esposa
é falso
Monsieur Verdoux não foi apenas um fracasso de bilheteria, como também levou, dois meses depois de seu lançamento, um irado congressista republicano da Câmara dos Representantes, a solicitar à Truman a expulsão de Charles dos Estados Unidos. Charlie Chaplin, declarou ele, é um anti-americano.
Com Monsieur Verdoux, mais uma vez Chaplin transformou adversidade pessoal em comédia na esperança de ganhar a maior afeição e aprovação.Infelizmente para Charlie, Monsieur Verdoux não funcionou — pelo menos nos Estados Unidos. Embora premiado como o melhor filme do ano do National Board of Review e recebendo uma indicação ao Oscar de melhor roteiro Original, Verdoux teve uma bilheteria baixa. Após dois anos, o filme arrecadou 325.000 dólares nos Estados Unidos, mas mais de 1.500 milhões no exterior.
Quando imprimia as cópias do filme, Charles recebeu telefonema de um comissário da Polícia Federal, informando-o que deveria comparecer, junto com outros 18 intimados, à Comissão de Atividades Anti-Americanas, em Washington. Naquele tempo, o senador Pepper, da Flórida, se encontrava em Los Angeles e foi sugerido ao grupo notificado que o procurasse para ouvir seus conselhos. Charles não participou do encontro, pois, não sendo cidadão americano,sua situação era diferente da dos demais. Os que foram, decidiram invocar seus direitos constitucionais se tivessem que ir a Washington.Agindo assim, sofreram um ano de prisão por desacato.Por duas vezes,depois de agendado para se apresentar diante da Comissão, Charles teve protelado o seu comparecimento. Assim, alegando que estava tendo prejuízos em sua empresa em função das indecisões do Governo e que a Comissão estivera na Califórnia recentemente, interrogando um amigo e, desta forma poderia tê-lo interrogado também, evitando gastos do dinheiro público, Charles enviou uma carta a Washington. Foi dispensado e o assunto foi encerrado.
A United Artist apresentava, então, um deficit de 1 milhão de dólares. Seus acionista foram vendendo seus títulos à própria empresa e esta, por conta dos pagamentos feitos, acabou esgotando, praticamente todos os seus recursos. Charles , de repente, se vê como semi-proprietário da United e com uma dívida gigantesca. A outra parte pertencia a Mary Pickford. Charles esperava que Monsieur Verdoux lhe rendesse dinheiro suficiente para sair das dificuldades. Estava prevista uma receita de, pelo menos, 10 milhões de dólares com o filme.
Em Hollywood, o filme foi promovido apenas para seus amigos que, ao final, o aplaudiram de pé. Cheio de confiança, Charles partiu para Nova York.Logo ao chegar, recebeu o ataque de um colunista do Daily News:" Chaplin está entre nós para a estréia de seu novo filme.Após suas façanhas de pró-comunista, eu o desafio a comparecer a uma reunião com a imprensa, pois estarei lá para lhe dirigir uma ou duas perguntas embaraçosas"!
Ele agora tinha dúvidas se valia a pena comparecer a um encontro com a imprensa americana. Sentia-se indignado, pois na véspera fora calorosamente acolhido pelos correspondentes estrangeiros a quem dera entrevista. "Além disso, eu não era homem que se deixasse intimidar". No dia seguinte, num salão de hotel que havia alugado, Charles Chaplin se encontrou com a imprensa americana. Charles se colocou á disposição dos repórteres, disposto a fornecer" todas as informações que lhes possam interessar a respeito de meu último filme e de meus planos para o futuro".
Um homem murmurou alguma coisa que Charles não entendeu. Pedindo que repetisse o que dissera, este começou: " Nós, os ex-combatentes católicos"... Charles o interrompeu dizendo que não estava ali para responder a perguntas de nenhum ex-combatente católico e que aquela era uma reunião com jornalistas.
Uma voz se fez ouvir: " Por que não se naturalizou cidadão americando"? Prontamente Charles respondeu: " Não vejo motivo para mudar de nacionalidade. E considero-me um cidadão do mundo". A sala pareceu tremer e uma voz disse: "Mas é na mérica que você ganha seu dinheiro"!
Sorrindo, Charles se dirigiu ao repórter: " Ora, se está querendo levar o assunto para o lado financeiro, então vamos por as coisas em pratos limpos. O meu negócio é de caráter internacional: setenta e cinco por cento de todas as minhas rendas vêm do estrangeiro e sofrem, nos Estados Unidos, taxação de cem por cento. Portanto, pode ver que pago bem a minha hospedagem"!
O ex-combatente católico deu novo palpite: "Seja o seu dinheiro ganho aqui ou não, nós, que desembarcamos nas praias da França, temos que nos ressentir porque não se tornou cidadão deste país". Charles não perdeu tempo: "Você não foi o único a desembaracar naquelas praias. Meus dois filhos também estiveram com o exército de Patton, lutando na linha de frente e não fazem praça deste fato nem o exploram, como você".
Ao ser indagado se sabia que um determinado amigo era comunista, Charles respondeu que sua amizade não se baseava em politica e que ninguém iria lhe dizer de quem ele deveria ou não gostar.
Começando a ficar irritado com o rumo que aquele encontro havia tomado, Charles resolveu encerrá-lo.Achava que aquela seria uma entrevista a respeito de seu filme e não um bate-boca político.
Encarando a controvérsia sobre seu filme, Charlie nunca soube o que lhe bateu: "Continuem com a carnificina... fogo nesta velha cabeça cinzenta",disse ele aos repórteres. Mas eles estavam totalmente desinteressados em discutir Verdoux.
Estavam lá para falar da política de Chaplin que,como homem de boa índole,para desmanchar humoristicamente aquela hostilidade, descreveu-se como um traficante de paz. Não não foi bem sucedido.Saiu dali profundamente ferido e triste por ver tanta animosidade.
Todos os grandes distribuidores do país haviam encomendado Monsieur Verdoux. Mas, por causa das cartas agressivas da Legião da Decência e de outros grupos, desistiram de exibir o filme. A Legião ameaçava boicotar os cinemas por um ano, caso estes projetassem filmes de Chaplin.
Este perído em Nova York foi muito infeliz para Charles.Além dos cancelamentos de Monsieur Verdoux, ele agora era acusado de plágio de O Grande Ditador...
Monsieur Verdoux não rendeu os 12 milhões que se esperava, mal servindo para equilibrar os custos e assim, a United Artist entrou em crise.Uma distribuidora foi em socorro da empresa, oferecendo 12 milhões por ela: 7 milhões em dinheiro e 5 milhões em ações. Charles considerou que aquele era um presente do céu e propôs a Mary Pickford que vendesse sua parte a ele por 5 milhões.
Ele sairia da United e ela ficaria com tudo. Mary concordou, mas quando já estava com a caneta na mão para assinar o acordo, desistiu. Tempos depois, Charles e Mary venderiam a United Artist por uma importãncia bem inferior.
Charles voltou à Califórnia e se desfez do golpe de Monsieur Verdoux. Tinha, ainda, novos planos . Não se convencera de que havia perdido a afeição do povo americano. Não podia acreditar que as pessoas pudessem boicotar quem tantos os divertia.
Assim, durante 18 meses, preparou o fime Limelight (Luzes da Ribalta), seu último filme para a United Artist que foi uma volta às salas do Music Hall da Londres de sua juventude e contava a história de um palhaço envelhecido (Calvero) que perdera o amor do público. Para o arranjo da música a ser usada nos12 minutos de bailado exibido no filme, foram gastos meses.Para o papel feminino, Charles contratou Clair Bloom.
Terry (Claire Bloom) encoraja Calvero (Charlie Chaplin)
após o fracasso de uma apresentação
Chaplin como Calvero em Luzes da Ribalta
Chaplin no papel de um artista fracassado,
Calvero, em Luzes da Ribalta
.Assim que o filme foi concluído,em 1952, Charles o projetou numa reunião íntima para amigos. Todos se encantaram.
Um Exílio Forçado
Naquela época, 1952,Carles e Oona tinham 4 filhos: Geraldine, Michael, Josephine e Victoria. Viviam felizes em uma casa em Beverly Hills, mas vinham planejando se mudar para a Europa, onde ela achava que as crianças deveriam estudar.
Começaram a preparar tudo para partir. Charles solicitou licença para deixar o país , fez sua declaração de imposto de renda e realizou todos os seus pagamentos. Quando o pessoal da Fazenda soube que ele viajaria para fora do país,tratou de fazer cálculos para que ele ficasse com um débito de centena de milhares de dólares, exigindo, como garantia, um depósito de 2 milhões de dólares.Charles declarou que não faria qualquer depósito e exigiu que o caso fosse levado aos tribunais. Logo veio um acordo em termos mais razoáveis. Charles decidiu escrever uma carta às autoridades de Washington, informando que viajaria com ou sem a sua permissão para sair do país.
Uma semana depois, o Departamento de Imigrações, informou a Chaplin que desejava lhe fazer alguma perguntas, consultando-o se poderia receber um funcionário em sua casa. Charles aceitou prontamente. No dia combinado, ele recebeu um grupo formado por três homens e uma mulher. Carregavam maletas pesadas e Charles deduziu que continham gravadores.Levados até a varanda, sentaram -se e deram início a um interrogatório:
- " Seu verdadeiro nome é Charles Chaplin"?
- "Sim".
-" Há quem diga que seu nome é... ( mencionou um nome bem estrangeiro) e que nasceu na Galícia".
- "Não é verdade. Chamo-me Charles Chaplin, tal qual o meu pai e nasci em Londres, Inglaterra".
- " O senhor diz que nunca foi comunista"?
- " Nunca. Jamais pertenci em toda a minha existência a qualquer partido politico".
- " O senhor fez um discurso em que disse camaradas. Com isso, o que pretendeu significar"?
- " Exatamente o que a palavra significa. Veja no dicionário. O uso do termo não pertence exclusivamente aos comunistas".
-" Já cometeu adultério"?
Então Charles achou que era hora de terminar com aquilo.
- " Escute... Se o senhor está querendo um pretexto legal para me impedir de retornar a este país, diga-me com franqueza e eu tratatrei de liquidar os meus negócios para ir embora de uma vez, pois não desejo ser persona non grata em lugar nenhum".
O inspetor disse que aquelas eram perguntas de praxe em qualquer processo paara licença de retorno. Mas Charles não se deu por vencido:
-" Qual é a definição de adultério? Ao que eu saiba, não cometi isso"!
- " Se este país fosse invadido, o senhor lutaria em sua defesa"?
-"Naturalmente. Eu quero bem a este país. É o meu lar, onde tenho vivido há quarenta anos".
- "Mas nunca se naturalizou".
- " Não há lei que me obrigue. Além do mais, é aqui que eu pago imposto".
-" Então, por que segue a linha do Partido"?
-" Se me disser que linha do partido é essa, responderei se sigo ou não".
Fez se uma pausa e conclui:
-" O senhor sabe como meti em todos esses apuros"?
O inspetor balançou a cabeça negativamente.
-" Pois foi prestando um serviço ao seu governo"!
O homem se mostrou surpreso. Charles prosseguiu:
-" O Embaixador americano em Moscou, Joseph Davies, deveria discursar em São Francisco, em favor do Socorro de Guerra Russo, porém, na última hora, ficou doente de laringite e uma alta figura do governo perguntou-me se eu podia fazer o obséquio de substituí-lo... E daí por diante, não se cansam de me apertar"!
Depois de três horas de interrogatório, a Comissão se retirou. Uma semana depois, Charles foi convidado a a comparecer ao Departamento de Imigração, onde foi recebido de maneira extremamente cordial, pelo diretor.
Indagado por quanto tempo ficaria fora do país, Charles respondeu que seria apenas por seis meses, para gozar as férias.Foi informado de que, caso sua ausência fosse maior, deveria pedir prorrogação do prazo. Concedida a licença, Charles assinou a permissão. O diretor bateu afetuosamente em seu ombro, desejando -lhe que que tivesse férias agradáveis e que não demorasse a retornar aos Estados Unidos.
A verdade é que, desde os seus primeiros filmes, o retrato realista que Chaplin mostrava sobre os menos favorecidos, atraiu os intelectuais de esquerda, enquanto alamou a América reacionária.
Desde 1923 o Federal Bureau of Investigation- FBI- começara a manter registros sobre as atividades de Chaplin e suas ligações sociais. O chefe do FBI, J.Edgar Hoover ,via em Chaplin um alvo especial e mantinha agentes ocupados durante anos a tentar, sem sucesso, provar que Chaplin deu apoio ao partido comunista. As atividades de Chaplin, no tempo da guerra, quando ele fez discursos em apoio da América, então aliada à União Soviética, foram atiradas contra ele no período McCartista de 1940 e 1950.
Jornalistas da direita foram duros ao realizar uma campanha contra ele. Foi o FBI que arquitetou a idéia de lançar contra Chaplin a indecente investigação de paternidade, em virtude de seu relacionamento com a perturbada jovem atriz, Joan Barry.
Charles passou a ver seu nome denegrido, a ponto de fazer com que muitos em Hollywood temessem ser associados, de alguma forma, a Chaplin e sua família.
Em 17 de setembro de 1952, Chaplin, sua jovem esposa Oona e seus quatro filhos, entraram navio Queen Elizabeth rumo a Londres para ali assistir a estréia de Luzes da Ribalta.
A bordo do Queen Elizabeth, rumo a Londres
(Geraldine, Charles com Josephine,Michael, Oona
e Victoria )
Após o segundo dia de viagem, com o navio em alto mar, o Procurador-Geral americano anunciou que o pedido de licença para reentrada de Chaplin nos Estados Unidos, como estrangeiro,tinha sido anulada. Na verdade, o Departamento de Estado e o FBI tinham pavor do retorno de Chaplin , já que haviam excedido seus poderes. Mas eles não precisam se preocupar. Charles Chaplin não tinha nenhuma intenção de retornar a "esse país infeliz".
A partir de 1952, Chaplin decidiu viver na Europa, escolhendo morar em Corsier-sur-Vevey, na Suíça, um país que oferecia condições financeiras mais favoráveis para ele remover seus bens dos Estados Unidos.
A família Chaplin em sua casa em Vevey, Suíça
Na Suíça mais quatro crianças nasceram, dando a Charles e Oona uma família com 5 filhas e 3 filhos.
Apesar de seu casamento feliz e uma maravilhosa vida familiar, Chaplin se sentia amargurado por ter que deixar o país que havia escolhido para ser sua casa e tornado possível a sua fama em todo o mundo.
Contudo, ele não tinha qualquer intenção de desistir do trabalho e logo embarcou em um novo filme, A King in New York (Um Rei em Nova York), em 1957. Pela primeira vez ele se viu trabalhando num estúdio que não era seu, ao lado de colaboradores que não conhecia. O filme mostra os efeitos desta situação e da escassez de dinheiro e das instalações para realizá-lo,mas é ainda notável por ter sido o primeiro filme que ressaltou a paranóia do Macartismo.
Em 16 de abril de 1965, dia do 76º aniversário de Charles, seu irmão Sydney faleceu,em Nice, na França, após um longo perído de doença.Seu corpo foi transportado para a Suíça e enterrado junto ao de sua segunda esposa. Sydney não teve filhos de nenhum de seus dois casamentos.
Foi um tremendo golpe para Charles perder aquele que fora seu maior amigo.
Jazigo de Sydney em Vevey, na Suíça
Dois anos depois, um outro filme surgiria da imensa capacidade criativa daquele gênio. A Countess from Hong Kong (A Condessa de Hong Kong), em 1967,protagonizada por Sofia Loren, foi baseado em um script que ele havia feito na década de 1930.
Neste, Chaplin entrou em desacordo com seu principal ator Marlon Brando. O filme não foi um sucesso e Charles experimentou, pela primeira vez, as críticas hostis, vindas agora de quase todos os países onde fora lançado.
Já próximo de completar 80 anos , pela primeira vez também, Charles começou a sentir os efeitos da idade.Contudo, Charles Chaplin era um homem que não desistia de viver e trabalhar. Escreveu dois livros autobiográficos, compôs música nova para relançamentos de seus filmes mudos e ao final de sua vida ainda esperava dirigir outro filme, The Freak, projetado para estrelar sua filha Victoria como uma menina que inesperadamente desenvolve de asas de anjo.
Em 1972, Hollywood fez as pazes com Charles Chaplin concedendo-lhe um Oscar Honorário.
Ao lado de Oona, levando seu Oscar para casa
Em 1975 lhe foi dado um título de Cavaleiro pela Rainha Elizabeth II. Por esta época, sua idade e fragilidade eram visíveis e no início da manhã do dia de Natal de 1977, Charles Chaplin morreu dormindo em sua casa.
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